segunda-feira, outubro 31, 2016

Gueixa & Salmão



Tinha vezes que eu ficava te olhando fazer a unha. Você gostava. Gostava quando eu te olhava. Você usava aquela lixa verde pequena. Raspava. Separava algodões. Molhava. E escolhia, lentamente, entre os quatro ou cinco frascos coloridos que ficavam em cima da tua mesa. Lembro do azul e do vermelho.

Você não percebeu o dia em que enlouqueci. Enlouqueci mesmo. Sabe daqueles que antigamente tomavam choque quando enlouqueciam? Então. Era eu. Eu falava nada com nada mesmo, como: a gueixa e o salmão se estranharam na Bienal. E depois eu falava até babar. No queixo. No canto da boca. Sabe? Mas você não percebeu. Quer dizer. A baba acho que você até percebeu. Tem vezes que a gente não percebe porque não consegue imaginar. Não consegue imaginar aquilo acontecendo, mesmo estando acontecendo. Então a gente como que não percebe. Mas acho que não foi isso. Você não percebeu porque começou a falar de como você fica quando fica nervosa. Depois falou do seu livro que estava no último capítulo. Eu preferiria um choque. E aí você contou do dia quando era criança e estava no parque esperando para andar na montanha russa e encostou numa grade acho que do barco viking ou do castelo do terror e levou um choque.

Pois é. Aí eu perdi, sabe? Soquei a parede umas três vezes até machucar bastante a mão. Joguei a xícara branca de café no chão. A asa espatifou. Você me disse que estava assustada. Pensei que você ia falar de como é quando você fica assustada. Mas não falou. Dessa vez você ficou quieta. Me olhando. Quer dizer. Parecia que estava me olhando. Mas não estava.  E a essa altura, eu já estava me enrolando na sua cortina marrom, que ia despregando da parede. Sei que a culpa não é sua. Ninguém está olhando. Talvez seja difícil. Talvez você estivesse pensando na cor do esmalte do seu pé. Bem no dia em que enlouqueci


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