Tinha vezes que
eu ficava te olhando fazer a unha. Você gostava. Gostava quando eu te olhava.
Você usava aquela lixa verde pequena. Raspava. Separava algodões. Molhava. E escolhia,
lentamente, entre os quatro ou cinco frascos coloridos que ficavam em cima da tua mesa.
Lembro do azul e do vermelho.
Você não
percebeu o dia em que enlouqueci. Enlouqueci mesmo. Sabe daqueles que
antigamente tomavam choque quando enlouqueciam? Então. Era eu. Eu falava nada
com nada mesmo, como: a gueixa e o salmão se estranharam na Bienal. E depois eu
falava até babar. No queixo. No canto da boca. Sabe? Mas você não percebeu.
Quer dizer. A baba acho que você até percebeu. Tem vezes que a gente não
percebe porque não consegue imaginar. Não consegue imaginar aquilo acontecendo,
mesmo estando acontecendo. Então a gente como que não percebe. Mas acho que
não foi isso. Você não percebeu porque começou a falar de como você fica quando
fica nervosa. Depois falou do seu livro que estava no último capítulo. Eu
preferiria um choque. E aí você contou do dia quando era criança e estava no
parque esperando para andar na montanha russa e encostou numa grade acho que do
barco viking ou do castelo do terror e levou um choque.
Pois é. Aí eu perdi,
sabe? Soquei a parede umas três vezes até machucar bastante a mão. Joguei a
xícara branca de café no chão. A asa espatifou. Você me disse que estava
assustada. Pensei que você ia falar de como é quando você fica assustada. Mas
não falou. Dessa vez você ficou quieta. Me olhando. Quer dizer. Parecia que estava
me olhando. Mas não estava. E a essa
altura, eu já estava me enrolando na sua cortina marrom, que ia despregando da
parede. Sei que a culpa não é sua. Ninguém está olhando. Talvez seja difícil.
Talvez você estivesse pensando na cor do esmalte do seu pé. Bem no dia em que
enlouqueci
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