quarta-feira, junho 29, 2016

Esqueleto de um lobo


Você lambe os beiços de cima a baixo e o líquido vermelho te escorre nos seios pelo queixo. Você me sorri teus dentes. Teus olhos grandes. Teu cabelo curto. Você nunca me pareceu tão bonita. Quando penso que acabou, chega mais uma. Cor de índia. Ela rodeia. Estou ajoelhado na terra batida. O céu é roxo avermelhado. Sinto o cheiro forte da carne. Ela tem fome mas, antes que comece, é você quem dá uma nova mordida no meu ombro esquerdo, que parece ser teu lugar. Você me perguntou se eu já tinha chorado fazendo amor, eu me perguntei se para ser homem é preciso ter olhos fundos.

A índia também sabe o que fazer. Eu a conheço. Ela chega por trás. Cheira. E ataca a lateral do meu abdômen. As duas mordem ao mesmo tempo. Fecho os olhos e sinto que vou desmaiar. Anseio pelo desmaio. Mas não. Vocês sempre foram precisas. Param no limiar. E começam de novo. Meus braços estão para trás. Quero mover e não consigo. Levanto a cabeça. Quem amarrou minhas mãos? Você se demora na dentada. Nunca te vi satisfeita. Você me contou que prendia a respiração antes de gozar. Eu te contei que já tinha matado.

A terceira que chega é inventiva. Magra, clara, cabelos longos. Roça as unhas grandes pela minha nuca, aperta meu pescoço com uma das mãos e empurra minha cabeça. Vou de cara na terra. Ela continua me empurrando e apertando pela nuca. Depois morde minha nádega como se fosse pão caseiro. Minha mente vai longe. Você tinha cheiro de morte, e eu cheirava quieto, no teu pescoço, nos teus poros.

Sinto o ardor alastrando da nádega para as pernas. A dor é insuportável. Penso no mar dissolvendo o espaço em espumas e tudo se torna branco. E escuro. Ela levanta minha cabeça e, cuidadosa, limpa meus olhos com a língua. Volto a ver e sinto um calafrio. Outras estão chegando. Você me tomando o ar. Eu nunca disse das vezes que você me entrava tão fundo que eu tinha medo de vomitar. Nem que eu seria exatamente aquilo que você queria matar.

Sim. Eu as reconheço. Que belo banquete! Eu nunca havia me esquecido dos seios grandes daquela ali. Ela se aproxima. Eu não sei por onde ela vai começar. Ela procura um lugar, mas vacila. Você olha e tua expressão fecha. Você toma a frente e não tem dúvida, morde minha barriga. Ela dá um passo atrás. Eu te chuto longe. Eu quero te matar. Você melando tudo e me tragando na tua  floresta,  então o jogo da vida vinha duro, você me olhava e eu não podia, e você insistia e eu era silêncio você insistia, queria,  então teus olhos ficaram grandes e você disse assim me esmagando um pernilongo contra a parede branca - você nunca será escritor, porque você tem medo dos mortos.

Solto um grunhido e mostro meus dentes grandes. No chão, você se afasta mais. Tua veia salta no pescoço. Eu vou te matar! Bato a cabeça forte no nariz da loba de seios grandes que não sai do meu lado. Ela uiva o nariz quebrado. Levanto na tua direção. A veia saltada no teu pescoço. Abro a boca com os dentes cerrados.  O cheiro do teu susto é o mesmo de quando eu disse que ia te deixar. Teus pelos de loba eriçados. Eu vou te matar. Caio de costas. Estou amarrado. A corrente não chega longe. As outras não parecem entender. Você me olha com desdém. Se aproxima de quatro, devagar. Você fecha as presas  em mim e puxa com violência. De novo na minha barriga. O rasgo agora é enorme e minhas tripas saltam. Você começa a comer. Urro de dor. Tento me desatar com violência. As outras me seguram para você. Quem é o leão? Você curva as pernas nuas e mija na minha frente. Sinto os respingos. As outras não se movem. Sinto o suor gelado na minha nuca, na minha testa. Você continua com as minhas tripas. Queria morder a vida, e quem quer vida também quer morte, e você, querida, queria tudo.

 Elas esperam. Você se afasta. Elas comem o resto. Sinto uma convulsão, meu corpo todo treme, o olho arregala, caio e gozo, gozo como nunca, gozo na terra poeirenta, a porra branca onde nascerá o baobá. Elas acabam o trabalho e logo não há mais ninguém. Minhas mãos ainda amarradas.  Quem as amarrou? Sim. Eu me lembro. Fui eu


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