sábado, maio 31, 2025

 Todos os

filhos que

perdemos e

os que criamos

um peso

pluma

sentido ao final

à véspera da

grande explosão

que nos dissipará

desses corpos

concentrados

pelos cantos de pássaros e

campos de tangerina

o perfume do caminho

pode ser de

mato ou

mijo e

tenho pedido a Rá

o poder de despertar

os deuses pela

neblina da

manhã

apenas para rir ao

vê-los acordando de

olhos pesados e

remelentos

tristes e felizes por

todos os dias dançarem para

que saibamos que

existem coisas

a mais

os deuses

coitados

dependentes de danças e

crenças de corpos que

batem tambores e

tremem

diante da

verdade

se eu pudesse falar

a língua das

plantas

talvez fosse melhor para

meus amigos

 com quem

discuto pelo

preço das corridas

de carro e

o significado da arte e

a ansiedade de

quem anda depressa e precisa

suportar corpos

egoístas e sonhadores

como o meu

coitado dos

deuses que

precisam de corpos que

mijam nas camas e

se perdem no brilho do

que lhes parece imutável como

o ouro que

pode ser tudo

menos a vida

por que é tão

difícil amar

a cidade onde

vivemos? Por que

o fio da vida é

tão fino se

tudo é tão infinito 

e denso?

se os deuses enxergam as

estruturas e

grandes escalas a

eles fica o peso

do tédio

nós

que tão pouco vemos e que

tanto intuímos somos

os convidados à

infinita

criação 

quarta-feira, maio 21, 2025

 tenho 1 amigo

de olhos escuros e

cabelos enrolados

ele

caminha com

pernas grossas

sempre no tempo

sempre resolvido

então que

todas as tardes ou

manhãs

que caminhamos juntos

- ele sempre dorme

cedo nas noites -

sempre vejo meu amigo

pelas costas os

ombros largos os

braços que se

movem retos e

a cada vez que

olho borboletas ou

as rachaduras nas portas de madeira

ou as plantas que

dançam no vento

meu amigo

fica menor o

pé perto da cabeça

e não aperto o

passo e franzo a

testa e somos

amigos por quê?

mas

um ponto apenas de

conexão pode

ser suficiente se

com raiz

e penso que

meu amigo é

a vida ou

o ensino dela de

quem estou sempre

atrás ou

na frente

ainda que

tenha frequentado aulas

de dança sigo

olhando calçadas e 

imaginando árvores e

choro sem lágrimas quando

vejo um beija flor ou

algumas teias de aranha

meu amigo gostaria

tanto de andar contigo como

com a vida mas

ninguém escreve nem

se apresenta na rua

girando bambolês pela

cintura e no pescoço sem

um descompasso um

rompimento que

precisa acontecer 

de novo e de novo

não há saída sem

entrada então

é desde o rompimento

e depois do rompimento com

o rompimento que

tudo jorra em

folhas claras essas

linhas em dança e

meu amigo se

dobro essa esquina para

não mais te ver é

por saber que

hoje

às 18h25

jantamos juntos

sopa de abóbora e

limonada seu

prato

favorito


Barichara, outono de 2025

quarta-feira, maio 07, 2025

 

Amo essa cidade

pelo cheiro de mijo

que sobe pelas calçadas

as pessoas deitadas na rua

mostrando que talvez

não vimos tudo de que

somos capazes ainda

amo essa cidade

pelos escombros sujos que

caem do alto

mostrando que um dia foi

algo belo e

desejável

e que segue sendo,

mas pelo avesso

amo essa cidade

e como ela é meu corpo

que já teve cabelos pretos

e um sorriso que se mostrava

e tudo isso que

está e

não está aqui

possível apenas a quem

olha muito de perto

sem um indício prévio

de que valha a pena

eu e a cidade

somos tudo

e só isso

corpos que brilham

e decaem

na esperança de um

renascimento

a cidade trincando tomada

por raízes de árvores que

serão enormes

meu corpo servindo de

alimento e ponto

de transformação

dando-se todo a tudo

de um modo que

em vida não sei

se serei capaz

e essa ideia me emociona

como caminhar na cidade e

ver o descascado em

seus lindos arcos e

construções

não sei se a cidade

me ama mas

amo ela

que é violenta e

suja

mas não o suficiente para

me impedir de caminhar

por seu porto

e olhar os homens

que bebem sentados e

as mulheres tatuadas

que caminham

meu corpo

difícil e violento

mas sempre caminhado

e quando penso que

amo a cidade pelo

sol que se põe no mar

atrás da grande pedra

igual que pelo cheiro de mijo

que sobe de suas calçadas

sinto que há um

descaminho no amor

e fico contente

pensando que o amor

não estava nos meus cabelos

escuros e pretos

nem no sorriso que se

mostrava

mas nesse corpo que

dói na lombar

e que é muito outro

do que aquilo que poderia ser

e que se curva

pelo enterro

das possibilidades

como a cidade que

se afirma

pelos vidros quebrados

e por amar tanto

essa cidade

e seus velhos imundos

deitados na areia

sinto que posso

amar ainda ou

ser amado

e isso poderia ser o ápice

ou o desfecho mas

o que mais amo

nessa cidade ou

nesse corpo é

o modo como

ela nunca me deixa

deixar de andar


Santa Marta, outono de 2025